Marina Silva não é uma novata na política. Foi senadora por 16 anos, ministra do Meio Ambiente em dois momentos distintos e é hoje uma das maiores referências globais em meio ambiente
por Alexandre Martins
O episódio protagonizado no Senado Federal contra a ministra Marina Silva é mais do que uma afronta pessoal ou institucional. É um retrato nu e cru de uma prática política que não evolui, que não amadurece, que insiste na mediocridade como método e no escárnio como instrumento. O que se viu ali não foi apenas uma demonstração de falta de decoro, mas uma estratégia consciente, bem estruturada, que tem um objetivo claro: impedir o debate sério sobre a pauta ambiental.
Marina Silva não é uma novata na política. Foi senadora por 16 anos, ministra do Meio Ambiente em dois momentos distintos e é hoje uma das maiores referências globais em meio ambiente. Seu nome é respeitado em fóruns internacionais, ela tem trajetória validada por prêmios e reconhecimento que nenhum dos senadores que lhe cortaram o microfone sequer sonha em alcançar. Mas isso pouco importou na cena a que o país assistiu. O objetivo, desde o início, não era ouvir, discutir, nem muito menos avançar no debate. Era constranger, desmoralizar e criar um ambiente propício para a guerra de narrativas que inviabiliza qualquer construção de política pública séria.
O Brasil, que se prepara para sediar a COP 30 em Belém, deveria estar profundamente engajado em debater sua responsabilidade climática, seus compromissos internacionais, as mudanças urgentes que o mercado global exige e os riscos iminentes da crise climática. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apesar de uma queda recente nos índices de desmatamento na Amazônia, o país ainda convive com níveis inaceitáveis de degradação ambiental. Entre agosto de 2023 e abril de 2024, foram registrados mais de 3.500 km² de desmatamento na Amazônia Legal. Isso significa, literalmente, perdermos uma área equivalente a duas cidades do tamanho de São Paulo em menos de um ano.
A agenda ambiental não é pauta de nicho, nem de ambientalistas isolados. Trata-se de segurança nacional, econômica e social. Estudos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, se o Brasil não se adequar às exigências ambientais internacionais — como as do Acordo de Paris ou as barreiras verdes da União Europeia —, poderá perder até R$ 9 bilhões em exportações anuais até 2030. A crise climática impacta diretamente o agronegócio, a energia, a água, a saúde pública e a própria estabilidade econômica do país.
Mas, quando não se quer discutir, é só mudar o foco da narrativa. E foi isso que fizeram. Transformaram uma audiência que deveria tratar de políticas ambientais em um circo grotesco de bate-bocas, ofensas, insinuações machistas e desrespeito. Cortaram o microfone de uma ministra de Estado, sugeriram que ela “se colocasse no seu lugar” — ignorando, propositalmente, que o lugar de Marina Silva é justamente aquele: o de quem representa a política ambiental brasileira no mais alto nível institucional.
O que chama a atenção, e deveria escandalizar tanto quanto o ataque, é a ausência de uma defesa institucional robusta. Onde estavam os aliados? Onde estavam os parlamentares dispostos a proteger não a pessoa Marina, mas a autoridade legítima de uma ministra de Estado, nomeada e empossada pelo Presidente da República? Onde estava a mídia, que, salvo honrosas exceções, limitou-se a registrar o espetáculo, muitas vezes mais interessada no conflito do que no conteúdo?
Esse não é um problema exclusivo de um lado da política. A estratégia de tumultuar, agredir e fugir do debate tem se tornado regra em diversos espectros ideológicos. É a lógica da política rasa, da busca por engajamento a qualquer custo, em que a performance vale mais do que a substância. E ela prospera porque, do outro lado, muitas vezes falta preparo, falta estratégia, falta a frieza necessária para entender que não se enfrenta esse tipo de tática com ingenuidade.
A tática da “adrenalina e sangue frio” não é uma escolha. É uma necessidade. Saber conversar com esse tipo de agente político não significa aceitar seus métodos, mas entender suas limitações e, sobretudo, compreender que eles não são maioria. O jogo é mobilizar a maioria silenciosa — aquela que não está nas redes produzindo ódio, que não vive do escândalo, mas que observa, analisa e, no limite, decide eleições e rumos políticos.
O episódio que empurrou Marina Silva para fora do Senado, pela incapacidade institucional de garantir condições mínimas de debate, não deveria ser visto como um caso isolado, mas como um alerta. O Brasil não pode mais se dar ao luxo de chegar despreparado em arenas como essa. Porque não é apenas sobre uma ministra. É sobre o futuro.
Alexandre Martins é jornalista, com ampla experiência em comunicação corporativa
